- Comentar
A organização não governamental (ONG) Human Rights Watch defendeu esta quarta-feira que o Congresso brasileiro deve rejeitar o polémico projeto-lei sobre a demarcação de terras indígenas, de forma a garantir os direitos dos povos nativos no Brasil.
"A aprovação deste projeto seria um dos retrocessos mais significativos no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais e recursos desde a redemocratização no Brasil", salientou a diretora-adjunta da Human Rights Watch, Anna Lívia Arida.
Segundo a responsável, citada em comunicado, este é "um momento de extrema vulnerabilidade para as populações indígenas, que enfrentam não apenas a invasão dos seus territórios por mineiros e madeireiros, mas também a hostilidade do Governo de [Jair] Bolsonaro".
O chamado Marco temporal é uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam em 5 de outubro de 1988, dia em que entrou em vigor a Constituição brasileira.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
De um lado, a bancada ruralista e instituições ligadas à agropecuária defendem o marco. Do outro, povos indígenas temem perder direito a áreas em processo de demarcação.
Esta quarta-feira, o STF retomará o julgamento de uma ação de reintegração de posse de terras contra a demarcação da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, no estado de Santa Catarina, com base no marco temporal.
A Human Rights Watch salientou que "enquanto o julgamento pendia no STF, o projeto de lei 490/2007 avançou no Congresso".
"Em junho, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a sua última versão. A proposta será analisada pelo plenário e, se aprovada, segue para o Senado", explicou.
O Brasil tem, sob análise, 237 pedidos de demarcação de terras indígenas. De acordo com a legislação brasileira, a demarcação estabelece claramente as áreas que pertencem aos povos indígenas, conferindo-lhes segurança jurídica sobre o direito coletivo em relação aos territórios, realça a ONG, alertando que muito pedidos de demarcação estão pendentes há décadas.
"O projeto de lei afirma expressamente que se aplica a todos os processos de demarcação não concluídos, o que poderia atrasá-los ainda mais ou mesmo impedir totalmente a demarcação", salientou a ONG.
A Human Rights Watch referiu também que grupos socioambientais e de defesa dos direitos indígenas entendem que grandes proprietários de terras podem usar o Marco Temporal para promover decisões judiciais que resultem na expulsão de comunidades dos seus territórios, alegando que não provaram a sua presença em 1988.
A ONG sublinhou também que "escolher uma data arbitrária e recusar-se a reconhecer territórios reivindicados posteriormente viola os padrões internacionais", pois segundo a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas estes "têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado".
O projeto legislativo contém, segundo a ONG, outros "dispositivos bastante problemáticos", que impedem os "povos indígenas de reivindicarem a ampliação de terras indígenas já demarcadas" e podem permitir ao Governo "recuperar as chamadas áreas indígenas quando entender que a área não é mais essencial para esses fins, devido a alteração dos traços culturais ou outros fatores relacionados com o decurso do tempo".
"Esses termos excessivamente vagos podem levar a remoções forçadas. Existem 60 áreas indígenas reservadas no Brasil, onde habitam quase 70 mil pessoas, segundo o Instituto Socioambiental (ISA)", referiu a Human Rights Watch.
E acrescentou que o projeto também pode permitir ao Governo o contacto com indígenas isolados para "prestar auxílio médico" e "intermediar ação estatal de utilidade pública", sem fornecer quaisquer outros detalhes.
Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos na região da América do Sul, o contacto com povos isolados pode ter consequências negativas dramáticas para sua sobrevivência física e cultural e os governos devem tomar medidas para evitar o contacto externo, frisou a ONG.
Atualmente, vivem mais de 900 mil indígenas no Brasil, de 305 povos distintos, que falam mais de 180 línguas, de acordo com dados do Parlaíndio.