- Comentar
A Associação Sindical dos Juízes considerou esta sexta-feira "uma iniciativa legislativa louvável" que o diploma do Governo sobre o acesso aos metadados das comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal, mas lamentou que a iniciativa não tenha ocorrido mais cedo.
Relacionados
Morreu Mário Mesquita, fundador do PS e vice-presidente da ERC
Diretor da PJ diz que fim do acesso aos metadados durante um ano dificulta trabalho
Russiagate. Câmara de Lisboa não foi notificada de acusação por divulgação de dados de ativistas
"A proposta de lei do governo sobre o acesso aos metadados das comunicações eletrónicas para efeitos de investigação criminal é uma iniciativa legislativa louvável, na medida em que procura encontrar um bom equilíbrio funcional entre o respeito pelos direitos fundamentais, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Justiça da União Europeia, e os valores, também fundamentais, da efetividade da ação penal e da segurança e paz públicas", referiu à agência Lusa Manuel Soares, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP).
Segundo precisou, a intervenção legislativa deveria "ter ocorrido mais cedo, assim que se detetou a desconformidade entre a lei anterior e a jurisprudência europeia, para evitar as implicações da declaração de inconstitucionalidade em processos já julgados e também em investigações e processos pendentes".
Manuel Soares diz à TSF que não vê inconstitucionalidade.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
"É importante que agora o parlamento agende rapidamente a discussão da proposta e aprove as alterações que se impõem, sem riscos de nova desconformidade constitucional. Não pode ser de outra maneira porque tem de ser possível o acesso aos metadados das comunicações eletrónicas, sob pena de inviabilização de investigações criminais em crimes de extrema gravidade e de inaceitável impunidade dos seus responsáveis", salientou Manuel Soares.
O bastonário da Ordem dos Advogados (OA) escusou-se para já a comentar a proposta do Governo sobre o acesso aos metadados das operadoras de telecomunicações, justificando que a OA é uma das entidades a ser ouvida no âmbito do processo legislativo que vai decorrer no parlamento.
A proposta de lei que estabelece as regras de utilização dos metadados para fins de investigação criminal contempla o acesso à "data da chamada, grupo data/hora associado, serviço e número chamado", entre outros elementos.
Manuel Soares considera que é uma "iniciativa positiva".
Segundo a proposta de lei entregue hoje no parlamento, está previsto que as operadoras de telecomunicações forneçam ainda os seguintes metadados: "Número ou identificação, endereço e tipo de posto do assinante, códigos de utilizador, identidade internacional de assinante móvel (IMSI) e a identidade internacional do equipamento móvel (IMEI); número de telefone, endereço de protocolo IP utilizado para estabelecimento da comunicação, porto de origem de comunicação, bem como os dados associados ao início e fim do acesso à Internet".
As alterações agora introduzidas - por força da declaração de inconstitucionalidade da anterior Lei n.º 32/2008 - atribuem "às autoridades judiciárias a competência para solicitar à empresa que oferece redes e ou serviços de comunicações eletrónicas" os metadados, "quando haja razões que sustentem a indispensabilidade da informação para a descoberta da verdade ou a impossibilidade ou dificuldade de obter prova de outra forma".
De acordo com o diploma, a que a Lusa teve acesso, os cidadãos considerados suspeitos sobre os quais seja requerido o acesso aos metadados passam também a ser notificados num prazo máximo de 10 dias, exceto quando tal possa "pôr em causa a investigação, dificultar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, para a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais, das vítimas do crime ou de outras pessoas".
Neste cenário, a notificação será feita no prazo máximo de 10 dias após o despacho de encerramento do inquérito ou quando deixem de existir razões para investigar o suspeito.
Manuel Soares afirma que a iniciativa só peca por tardia.
Por outro lado, os metadados que venham a ser remetidos para investigação criminal e que não venham a servirem como meio de prova "são destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo".
A proposta de lei remete também para posterior portaria a definição para as condições para transmissão de dados e dos termos de destruição dos dados na posse das autoridades judiciárias.
O diploma fixa ainda a avaliação destes procedimentos de dois em dois anos pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, em colaboração com a Autoridade Nacional de Comunicações, com vista à elaboração de um relatório sobre a aplicação da nova lei, "incluindo eventuais recomendações à Assembleia da República e ao Governo".
Perante o anúncio de fiscalização preventiva à proposta de lei feito pelo Presidente da República, o diploma refere que as alterações efetuadas no tipo de metadados a aceder junto das operadoras de telecomunicações, como "identidade internacional de assinante móvel (IMSI), a identidade internacional do equipamento móvel (IMEI) e os códigos de utilizador, são, em si mesmos, dados de identificação e, nessa medida, dados de base que a jurisprudência europeia tem considerado suscetíveis de conservação e de tratamento".
Face à sensibilidade da matéria e ao processo legislativo que irá decorrer no parlamento, o diploma recomenda que sejam ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Comissão Nacional de Proteção de Dados e a Ordem dos Advogados.
Na quinta-feira, no final da reunião do Conselho de Ministros, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, considerou que a anulação da criação de uma base de dados paralela por um ano apenas para fins de investigação criminal e o recurso aos dados já conservados pelas operadoras para a sua atividade comercial é uma "mudança de paradigma" e representa "um passo em frente" para aceder à informação.