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Como tantos outros nascidos e criados na Cidade de Deus, Marcelo Modesto foi assediado por traficantes para fazer parte de uma organização criminosa local logo depois de sair da tropa. Poderia ter aceite uma carreira no crime, como tantos outros amigos de infância prematuramente presos ou mortos, não fosse ter encontrado por essa altura um emprego como caddie num campo de golf num outro ponto do Rio de Janeiro.
Anos depois, foi essa experiência pessoal que o levou a construir um campo, com dimensões mínimas, na comunidade que deu origem ao premiado filme homónimo de 2002. "O golfe salvou-me", disse Modesto à Associated Press. Encontrou no clube onde trabalhou as figuras paternas que jamais teve em casa, aprendeu a falar melhor, passou a vestir-se bem e namorou algumas das meninas mais bonitas da Cidade de Deus por causa disso. Agora, quer retribuir.
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Sob sua supervisão, cerca de 100 crianças aquecem com paus de madeira, antes de aprimorarem os seus próprios puts, tomarem contacto com o green e aprenderem toda a gíria própria de um desporto no Brasil, e na generalidade do mundo, associado a ricos e muito ricos.
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Por umas horas, as crianças esquecem o som dos tiroteios. Fogem de todos os perigos da favela, representados não apenas pelos traficantes mas também pelas milícias, a máfia carioca que, em troca de uma suposta proteção à população contra os criminosos, a explora sem pudor, e a polícia, que mata inocentes, quase sempre pobres e negros, a um ritmo devastador.
Modesto e os pais dos alunos só querem isso: que as crianças saiam, graças ao golfe, das ruas. Mas há alguns aprendizes, como Ray Teixeira, 13 anos, a quem o ex-caddie vê com características de Tiger Woods. Ray diz que quer tirar a família da Cidade de Deus depois de se tornar profissional de golf, um desporto que surpreendentemente começa a disputar o papel outrora restrito ao futebol.